Thursday, January 15, 2009

História Da Parte De Mim Que Morreu


Findado o solitário jantar, senta-se na cadeira de baloiço que, por si e para si, manufacturou e meticulosamente colocou no alpendre da sua penúltima morada.
Vive no interior do país onde nasceu e viveu (?), numa casa de campo que comprou com o dinheiro da venda do seu primeiro livro. Ha quantos anos!
Aos 41 anos está acabado. Pronto para se encontrar com Caronte. Ou talvez uma Valquíria abra uma excepção no seu critério de selecção e o venha buscar e com ela o leve.
Leccionou numa faculdade portuense durante cerca de uma década e durante estes e mais uma mão cheia de anos publicou artigos. Orgulhava-se do seu livro de contos. Macabrice aterradora e horrível. Poucos apreciaram a sua obra, que ele mesmo retroverteu para Latim, numa edição especial que ofereceu a quem bem quis. Uma recordação que pretendeu deixar àqueles de quem gostava.
Vivia agora o fim de um dos seus escritos. Aquele que sempre desejara.
Estava só, no seu lar. Só, na sua vida. Sofria de cirrose e cancro pulmonar e afirmaram-lhe que tinha um par de semanas pela frente. E já vai de velho pensa ele, sem medo do que advirá do parar do coração e do estancar da corrida sanguínea.
Despedira-se de todos. Os da sua tribo. Disse-lhes aquilo que julgou por bem. Tivera tempo para tal. E com todos eles terminou a conversa com o mesmo pedido, que todos respeitaram: deixá-lo morrer na solidão.
E estava sentado na sua cadeira feita de madeira de carvalho. Numa das mãos o cigarro (sempre fumara a mesma marca vermelha) e na outra o copo de vinho tinto, bebida que aprendera a degustar com o avançar da idade e que o presenteara com a doença do fígado. O Chateaubriand que guardara para esta ocasião.
Baloiçava-se, com "House In The Clouds" de Perry Blake como pano de fundo. Os 15 dias que lhe previram atingiam o reduto final. Sentia-se a adormecer. Sabia que chegara o momento. Estava feliz. Nao se arrependia de nada.
“Adeus...” murmurava ele.

17 de Dezembro de 2008 – A piece of me died that day.

3 comments:

violent.femme said...

porque é que tudo entre "nós" se resume a: "buildings burn , people die,but real "love" is forever."?

essa "persona" (máscara) é-me tão familiar quase como sendo um desejo de ser. não meu. teu (?).

fica sempre na lembrança "la dernière minute"..

[[]]

Diana said...

Diz o povo que "não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe". (armada outra vez em Barney, talvez.)
A vida é isto mesmo, um suceder de altos e baixos, com alguns baixos de tal maneira baixos, que quando nos apercebemos...pimba!... estamos completamente quinados.
A boa notícia é que se recupera, mas fica sempre uma lembrança, um ensinamento...

Um abreijo meu caro!

Anonymous said...

Well you know bro!

"Whiskey River, take my mind
Don't let her memory torture me
Whiskey River, don't run dry
You're all I got to carry me
I'm drowning in a Whiskey River

Bathing my memory's mind in
the wetness of its soul
Feeling the amber current flowing from my mind
To warm an empty heart you left so cold"
Willie Nelson - Whiskey River

[Another two please, this goes on me!]